Entrevista antiga de Norman Reedus, para a revista Fugue ( Fugue Magazine ) no ano de 2003. Um texto interessantíssimo para conhecermos mais sobre essa pessoa incrível e esse artista de corpo e alma.
"Norman Reedus largou seu sanduiche de atum e olhou para mim intensamente. Era um Abril incompreensivelmente quente em Nova York e, após uma conversa amigável, conseguimos uma mesa na calçada, em uma famosa taverna de West Village. Falamos sobre a moto dele. Pedimos mais sanduíches e cerveja. Então fiz minha primeira pergunta, algo a respeito de como ele se preparava para os seus papéis e aquele olhar – aquele mesmo olhar que ele usa em várias de suas performances mais memoráveis e instáveis – se fixou em mim, um intenso contraponto para seu sotaque arrastado californiano.
“O primeiro filme que fiz foi Floating, e eu realmente nao sabia o que estava fazendo”, ele diz enquanto se prepara para explicar. Naquele filme, Reedus interpreta Van, um delinquente juvenil de vinte e poucos anos que cuida do seu pai, em uma cadeira de rodas. Perto do final, há uma cena dramática, em que seu pai luta para levantar-se da cadeira de rodas e lhe dar um abraço, um ato de amor que Van acha ser emocionalmente intenso. Quinze minutos antes de filmar a cena, o diretor se aproximou de Reedus e perguntou como ele gostaria de se preparar para a cena.
Na vida real, o pai de Reedus acabava de ficar confinado à uma cadeira de rodas por causa de sua doença, então ele pediu por um telefone celular e alguns minutos sozinho. Ele telefonou para seu pai, conversou alguns minutos a respeito de nada em particular, e então foi fazer a cena.
“A primeira tomada ficou inutilizada pela quantidade de meleca que saía do meu nariz – eles disseram que era muito nojento”- ele relembra. Uma segunda tomada ficou melhor, e todos acabaram indo para o almoço em seguida, enquanto Reedus resolveu tirar um cochilo no seu trailer. Mais tarde, ao voltar para o set, ele foi abordado por alguém que nunca havia falado com ele. “Ele me parou e disse, ‘Preciso te falar algo. Durante o almoço ninguém conseguiu comer e ninguém falou nada. Todo mundo se sentou lá em siêncio.’ Eu saí dali pensativo, você pode fazer muita coisa ao atuar, se houver gente lá fora que deseje assistir. Mas não sinto a necessidade de fazer nada disso ( referindo-se ao tipo de preparação que fez ) para todo mundo, pois nem todos merecem. Se eu destruir o meu dia fazendo isso e fosse apenas por carros velozes e dinheiro, então eu me sentiria realmente usado. “
Ele olha para o seu prato, pega seu sanduíche e dá uma mordida. Por um momento ele parece estar encabulado por não ter respondido algo que soasse melhor, quase publicitário, como alguns colegas fariam. “Isso faz sentido?” , ele se pergunta.
Se Norman Reedus não parece a típica celebridade emergente de Hollywood, é por que você certamente estava com a idéia errada a respeito dele. A história de sua carreira rende a Norman adjetivos como “emergente” parecerem sem sentido, ele odeia Hollywood, e ele se associa àquele tipo de visão nebulosa de fama que você espera de alguém que já teve demais dela para conhece-la. Mas se ele não é um campeão de bilheterias, ele também não é um competo indie. Ele apareceu em quase duas dúzias de filmes desde sua estreia em 1997, mas ainda continua conhecido por causa de uma campanha publicitária para a Prada em que ele aparecia ao lado de Joaquin Phoenix, Tim Roth e Willem Dafoe. Ele odeia o sistema dos grandes estúdios, ainda que não descarte a possibilidade de trabalhar com eles, e ele prefere o “cinema pipoca”. Ele é famoso por sua beleza, mas prefere interpretar personagens extremos, frequentemente violentos. E talvez, o que nos deixa mais confusos, ele tem um talento puro, raro, e ainda assim parece não se sentir motivado para alavancar a sua carreira. Isso tudo acaba levando a uma pergunta: Quem exatamente é Norman Reedus?
O público em geral pode reconhecer o ator de 35 anos por seus papéis como coadjuvante em Mimic, 8mm e Blade 2, mas as performances mais arrebatadoras de Reedus aconteceram em vários filmes independentes: interpretando um matador psicótico contracenando com a ex-Blondie, Debbie Harry, em Six Ways to Sunday, um vagabundo misterioso em Dark Harbor, e o intelectual da contracultura dos anos 50 Lucien Carr, em Beat, entre outros. Ele é uma presença compulsivamente apreciável, igualmente conduzindo bravatas e terror, uma malícia quase psicótica – frequentemente na mesma cena. Seus olhos, velados e distantes, poderiam facilmente pertencer a um artista ou a um assassino. Em qualquer caso, ele estará com uma arma na mão.
Sua carreira tomou outro rumo ao interpretar o justiceiro divinamente inspirado em Santos Justiceiros, em 2000, que conquistou ainda mais atenção à Reedus. Apesar dos problemas para garantir a distribuição do filme após o atentado de Columbine ( o filme é bastante violento, com heróis usando sobretudos pretos, e pareceu ir um pouco longe demais na opinião dos executivos dos estúdios ), acabou virando um sucesso com propaganda boca a boca, uma verdadeira sensação, alimentada por uma rede de sites de fãs ao redor do mundo. Ele diz que aquele papel é a única razão pela qual ele é reconhecido nas ruas, e isso é provado momentos depois, quando um rapaz num short caqui se aproxima de nossa mesa, dizendo que Santos Justiceiros é seu filme favorito de todos os tempos. Reedus agradece e aperta sua mão – ele é incrivelmente educado – e depois ele se vira para me contar a respeito de outro fã que ele conheceu recentemente. “Ele tinha o rosto do meu personagem tatuado no seu braço”, diz, sorrindo. “Isso é meio estranho.”
Enquanto é verdade que Santos Justiceiros tornou o nome de Reedus famoso, ele tem sido um rosto conhecido há mais tempo. Saindo de casa aos 12 anos para competir num circuito de tênis profissional, ele passou sua adolescência vivendo com sua mãe na Inglaterra, Espanha e Japão. Mais tarde, seguiu uma namorada até Los Angeles e começou a trabalhar em uma oficina de motos, onde suas funções principais eram desmanchar motos e limpar o cocô dos cachorros. Um inicio pouco feliz, mas não sem a magia de Los Angeles: apesar de não ter formação como ator, ele foi descoberto em uma festa e rapidamente foi aos palcos, antes de fazer sua transição para o cinema.
Indo para o final dos anos 90, quando as fotos publicitárias de Six Ways to Sunday chegaram às mãos de Miuccia Prada, diretor criativo da casa italianda de moda de vanguarda, Reedus foi levado a participar de sua campanha baseada em atores. Da noite para o dia seu estoque explodiu, mas o incidente também proporcionou uma linha irresistível para os jornalistas mais acomodados: Norman Reedus, modelo que se transformou em ator. É um erro de percepção contra o qual ele lutou para corrigir por anos, e a frustração é evidente, mas ele também mostra um certo senso de humor quando fala sobre sua breve carreira na moda: “Meus cinco amigos e eu dividimos o mesmo terno por um ano, e então eu fiz aquele ensaio e de repente todos nós ganhamos ternos”, ele ri. “Aquilo foi legal.”
Houve outros benefícios também. O burburinho gerado pela campanha fez com que a Vanity Fair incluísse Reedus na sua capa de Abril de1999, mostrando os novos talentos a serem observados. Olhando hoje em dia para aquele foto, porém, a necessidade de comparar a sua carreira com a de seus colegas é irresistível. Ali estavam adrien Brody, vencedor do Oscar; Reese Whiterspoon, uma da atrizes mais bem pagas de Hollywood; nomes como Julia Stiles e Giovanni Ribisi, em ascensão. Reedus está no canto, exalando sex appeal. Então, o que acontece? Por que os filmes mais difíceis? Por que personagens perturbados? Por que ninguém insistiu em coloca-lo contracenando em algum hit do verão? Se o objetivo de Norman fosse se tornar um superastro, ele estaria fazendo um trabalho terrível. Claro, essa é a parte mais legal a respeito de Norman: ele nunca quis isso.
“A maior parte disso tudo nem tem a ver com atuar. É tudo questão de ir às festas certas, estar com seu rosto nas revistas, ir para um teste de elenco com mais cinquenta caras iguais a você e puxar o saco para ser o número 17 da lista. Eu não gosto deste estilo de vida,” ele diz, com tristeza. O que ele gosta de fazer é procurar por papeis que ache interessante, trabalhar frequentemente com diretores iniciantes, pois aprecia o entusiasmo deles e a vontade de colaborar. “É realmente difícil encontrar pessoas para trabalhar com você, em vez de você trabalhar para elas. Muitos diretores agem como se estivessem te fazendo um favor. Fiz talvez uns dois filmes assim e eles foram absolutamente as piores experiências que vivi.”
Mas se Reedus é motivado por um desejo de se envolver em projetos com os quais ele se importa, ele também parece motivado em colocar seu coração e sua alma em maus projetos. Isso, na verdade, é mais do que uma característica única entre atores do que você poderia esperar – nomes que são sinônimos de qualidade artística estão constantemente aparecendo vinculados a veículos que parecem gritar “diretamente para DVD!”. Para Reedus, não é suficiente ser a melhor parte de um filme ruim – e ele fez isso em mais de uma ocasião. Ele exercita um grau de controle de qualidade que só pode ser exercitado por nomes muito famosos e aqueles que, por qualquer razão, se sentem confortáveis tendo uma atitude descansada com as suas carreiras. Ele é exigente, e sabe disso. Mas isso também não explica totalmente o porquê.
Em vários momentos de nossa conversa, Reedus alega não ter grandes motivações de qualquer natureza, e enquanto aquilo parece ser uma verdade apenas parcial, também é algo não totalmente sincero. Ele raramente procura ativamente por um papel, e esteve no escritório de seu agente não mais do que duas vezes, mas consegue se manter extremamente ocupado assim mesmo. Quando eu o encontrei, ele estava retornando de uma atividade para um filme que ele começará a rodar na Califórnia na próxima semana. Depois, ele diz, estará na Flórida, e então na Alemanha. Ele tem um projeto em desenvolvimento com o diretor coreano Myung-Sea Lee, e também assinou para filmar a segunda parte de Santos Justiceiros. Já sentados em nossa mesa na calçada, ele me surpreende puxando um gravador, colocando ao lado do meu, e ele parece conter trechos da fala de um homem idoso do Tenessee contando uma longa e complicada história ( ele comenta que precisa aprender o sotaque para um futuro papel e está examinando a gravação para pegar a inflexão local). Estes não são hábitos para um homem que não tem motivações. Pode não ser dinheiro ou fama, mas ele é claramente motivado por algo.
A verdade acaba surgindo através de algo banal e, ao mesmo tempo, extraordinário: ele tem uma imensa energia criativa. Além de atuar, Reedus encontrou tempo para ser um talentoso pintor e fotógrafo, e ultimamente tem se dedicado muito à fotografia. Seu rosto se ilumina quando ele começa a falar das pessoas que ele fotografou – cantores country, crianças japonesas, modelos de moda em trapézios. Ele carrega uma câmera para todos os lugares onde vai, e recentemente comprou uma câmera profissional com “a qualidade mínima para uma fotografia de revista”. Ele não é realmente um preguiçoso. E, apesar de ele não dizer isso, ele age da mesma forma quando mergulha em um personagem, rompendo limites para articular algo que talvez não exista em lugar algum, além de na cabeça dele. Norman Reedus se tornou ator por acidente, mas é claro que ele acabaria fazendo alguma coisa totalmente criativa por si. E se às vezes parece que sua paixão maior não está na interpretação, provavelmente é por que é verdade. É apenas uma opção entre tantas, e imagine se ele não irá deixar seu leque de opções aberto.
Assim como a maioria das tardes estranhamente quentes de Abril em Nova York, essa também não foi exatamente verdadeira. A temperatura baixou em quinze graus nas últimas duas horas, e todos, exceto aqueles deprimidos pelo tempo, foram para as mesas no interior da taberna ou foram embora. Enquanto tentamos procurar pelo garçom, que havia sumido, eu pergunto a Reedus a respeito dos diretores com quem ele gostaria de trabalhar (“Jim Jarmusch,” ele responde imediatamente ), as músicas que ele tem ouvido ( The Locust, de San Francisco, com sua energia pura sendo uma perfeita escolha ), e as mudanças que a paternidade trouxe para a sua vida.
“Mudou minha vida em tantas coisas,” ele diz, ficando pensativo. “Você não é mais a coisa mais importante, e toda a sua vida muda.” Seu filho, Mingus – cuja mãe é uma antiga namorada de Reedus, ex-modelo e co-fundadora da Nylon, Helena Christense – agora tem quatro anos, e Reedus tem se ocupado bastante mimando o garoto. “Eu quero que ele cresça sabendo que é o cara, “ ele diz, sorrindo. “Quero dizer, às vezes ele me deixa puto da cara. Ele irá jogar alguma coisa pro outor lado da sala e me deixará acordado a noite toda, mas então ele irá me acordar no dia seguinte e vai dizer; ‘eu te amo como o oceano’. E aí você levanta e faz tudo de novo. É a melhor coisa do mundo.”
Após pagar a conta, ele levanta-se, tremendo, pronto para ir para casa ficar com sua família. Está oficialmente frio novamente; a primavera se foi, pelo menos por hoje. Reedus acende um cigarro e começa a mexer em sua motocicleta, me perguntando o tempo todo a respeito da revista para a qual escrevo. Ele a viu? Quando sairá o artigo? Aceitam fotos? Prometi enviar a ele algumas cópias e enviar suas fotos ao meu editor, e ele acena, entusiasmado. Então ele vai embora, desaparecendo na Greenwich Street, parecendo para o mundo todo apenas um cara comum – o que ele é, obviamente. O que ele não é.